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Entrevista com Marília Gonçalves, sobrevivente de cancro do ovário

É importante que as mulheres estejam informadas e que saibam sobre os sintomas deste cancro. Eu não sabia

Marília Gonçalves pouco ou nada sabia sobre cancro do ovário, apesar de ter tido um familiar com a doença. Não sabia que os seus sintomas podem ser muito díspares, não sabia que não há rastreio, não sabia que o diagnóstico podia ser tão desafiante e acredita também que há muitas mulheres que não sabem. A doença surpreendeu-a, aos 41 anos, mas não a venceu. Lutou e, hoje, reforça a importância da informação e da partilha de conhecimento.

Tem alguém na família que tenha tido cancro?

Tinha tido uma tia que faleceu com cancro do ovário. Primeiro teve cancro da mama e após sete anos, teve uma recidiva, com cancro do ovário e metástases no fígado.

E isso fez com que se tornasse uma pessoa mais atenta à sua saúde?

Sim, sem dúvida. Como tinha risco acrescido, por ser minha familiar, fazia a minha consulta de ginecologia anual, com quatro exames : ecografia ginecológica, a citologia, a ecografia mamária e a mamografia.

Um dos problemas com o cancro do ovário é que os sintomas podem confundir-se com sinais de outros problemas. Quais foram os seus sintomas e como é que descobriu que tinha a doença?

Os sintomas são mesmo muito variados, é muito difícil chegar a este diagnóstico e eu não tinha informação sobre cancro do ovário. Tinha sobre cancro da mama, sobre cancro do colo do útero, sobre HPV, para os quais costumamos fazer os rastreios mas sobre cancro do ovário não, não sabia que era assim tão difícil de diagnosticar e que não havia rastreio.

Como é que foi todo o processo? Foi fácil chegar ao diagnóstico?

Não, não foi nada fácil. Tenho de começar pela gravidez do meu filho, aos 40 anos. O André nasceu em novembro de 2017, era uma criança exigente, tinha de amamentar de duas em duas horas, dia e noite, amamentei até aos oito meses… A partir de setembro/outubro de 2018, começam as minhas queixas: cansaço físico, falta de sono, fadiga mental, dores no corpo todo, nas articulações. Tinha regressado ao trabalho após cinco meses de licença de maternidade e um mês de férias, com responsabilidades acrescidas por ter um bebé e a minha personalidade de ser responsável por tudo, como mãe, como mulher, como trabalhadora, como líder de equipa levou-me a ter falta de energia para conseguir fazer tudo o que fazia antes. Associava o cansaço ao facto de ter tido um bebé há pouco tempo, à falta de sono e ao stress. Tinha muitas dores no pescoço e na parte cervical, fui ao ortopedista, fiz um raio-x e fui medicada para as dores. Após este exame e por sugestão, fiz uma ecografia à tiroide, onde se encontraram dois nódulos mas em análises posteriores, as hormonas TSH e T4 estavam a funcionar dentro da normalidade.

Esses sintomas prolongaram-se no tempo?

Sim. Em 2019, fui com frequência ao médico, porque continuava a sentir-me estagnada, era uma fadiga mental e física muito grande, sentia-me fraca e sem energia. Sentia um desconforto abdominal, que já estava a ser persistente, fui ao ginecologista e ele passou-me os exames que faço todos os anos e estava tudo aparentemente normal. Mas continuei cansada, com dores, e já me habituava à ideia de viver com esse cansaço. Depois de ter ido ao ginecologista, fui à médica de recurso (infelizmente não tenho médica de família por falta de médicos), falei sobre os meus sintomas. Estava a chegar a um ponto que, quando me queria levantar da cama, já nem conseguia, ficava extremamente cansada. Nessa consulta, a médica pensou que eu podia estar com depressão. De facto sentia-me sem energia, mas não tinha razões para estar infeliz.

Quando é que foi feito o diagnóstico?

Em Fevereiro de 2020, voltei à médica de recurso, fiz mais análises de sangue. Em março de 2020 veio a pandemia e em abril estava em casa, em lay-off, mas sempre com os mesmos sintomas, sempre a conviver com eles. Tomei suplementos para fadiga cerebral e tinha sempre a convicção que ia ficar bem e que tinha de ser sempre uma mulher resiliente. Um dia, fui fazer uma caminhada e tropecei: fiquei com o gémeo por debaixo da coxa. Fiz gelo, repouso, anti-inflamatórios e em dois dias estava bem, mas sentia sempre um desconforto na perna. Duas semanas após a queda, fui de férias, mas continuava com dores e a minha perna parecia mais inchada. Pensei que poderia ser algo relacionado com o sistema linfático, porque sentia uns caroços na virilha e, por isso, fui a uma consulta com uma cirurgiã vascular. Contei-lhe as minhas queixas desde 2018, as quais ouviu com muita atenção e registou, examinou-me e quando me tocou na virilha detetou uma massa. Achou estranho e pediu uma TAC pélvica, abdominal e aos membros inferiores. E aí constatou-se que havia algo grave. O relatório era extensíssimo, com muitos termos médicos que nós pacientes não sabemos o que significam. Foi pedida uma biópsia à massa e aqui começa a história do diagnóstico. Na biópsia confirma-se  que tinha cancro, depois confirma- se que a origem da doença era o ovário esquerdo e a disseminação estava a ser feita através do sistema linfático. Haviam vários gânglios inflamados, o que eles chamam adenopatias, na zona ilíaca, na zona da anca, na virilha, na parte abdominal e mais tarde, no peito e na zona do pescoço. Finalmente recebo o diagnóstico de adenocarcinoma de alto grau de origem ovárica com metástases ganglionares irressecáveis – grau IV B, ou seja, a doença estava em estadio muito avançado.

Como foram os tratamentos?

Depois de ter o diagnóstico, comecei a fazer quimioterapia. Seria suposto fazer quatro sessões de três em três semanas com a intenção de reduzir o tamanho das adenopatias e também da massa que tinha na virilha (a metástase primária) e depois avançar para a cirurgia. Ao fim das quatro quimioterapias, fiz novos exames e foi necessário continuar com a quimioterapia, porque não houve grande redução das adenopatias. Fiz mais duas sessões. Novamente, reavaliação com exames e de seguida a cirurgia, uma histerectomia total (remoção do útero e ovários), remoção de aderências intra-abdominais, remoção de vários gânglios linfáticos e a metástase primária, na virilha. Depois, recuperei durante um mês e meio e reiniciei a quimioterapia, com mais três sessões – fiz nove, no total. Acabei há cerca de dois meses e não há sinal de doença.

O que mudou no seu dia-a-dia após o diagnóstico e respetivos tratamentos? Considera-se hoje uma pessoa diferente?

Sou uma pessoa muito diferente, mais atenta ao cuidar de mim própria, deixar de querer ter o controlo sobre tudo o que está à minha volta. Hoje em dia, já tenho consciência que não posso controlar tudo e estou a adaptar-me a pensar primeiro em mim e depois nos outros, mesmo sendo filhos, marido, mãe, pai, porque se eu não estiver bem, não vou conseguir estar feliz ao lado deles. Faço exercício e meditação todos os dias, que era algo de que gostava, mas como andava sempre a correr, achava que ia fazer quando chegasse ao fim de semana, achava que ia fazer quando fosse de férias, achava que ia fazer quando tirasse um dia para mim, mas depois nunca fazia, porque surgia sempre um imprevisto ou alguém que precisava de ajuda.

O que a levou a querer dar o seu testemunho?

O querer dar o meu testemunho tem a ver com o facto de ter encontrado tantas dificuldades para o diagnóstico, alertar para a necessidade de informação. E alertar também para a importância de termos muita força espiritual. Para mim, foi no acreditar em algo superior que consegui ter coragem e fé. Nós passamos por um período extremamente difícil a nível de sofrimento, de dor, muito desespero também, mas pensava sempre: amanhã vai ser um dia melhor, amanhã já não vou estar tão mal disposta, amanhã já não vou ter tantas dores. E a ansiedade faz com que se sinta tudo mais intensamente. Comecei a procurar informação sobre este cancro e ver o que é que as outras pessoas fizeram e como é que conseguiram superar, fui para as redes sociais, procurei associações e cheguei à MOG [Movimento Cancro do Ovário e outros Cancros Ginecológicos].

Tem sido importante, para si, ter o apoio de uma associação? Faz a diferença?

Faz toda a diferença, pelo menos para mim. Fui à procura de muita informação sobre a minha doença e como superá-la e eu e as minhas colegas da MOG partilhamos informação, motivação e encorajamento. Ter aquele apoio de pessoas que passaram ou que estão a passar pelo mesmo, é muito bom. Não sei o que é que acontece, mas ficamos com mais esperança e consegue-se superar melhor, sabendo que vamos acordar e que elas vão lá estar para nos apoiar. A maior parte das pessoas vive a doença muito para si, não gostam de falar sobre o assunto e isso torna tudo mais difícil, na minha perspetiva.

Que mensagem gostaria de transmitir a outras mulheres, seja as que estão a passar pelo mesmo ou a todas, no geral?

Quando recebi o diagnóstico pensei que ia morrer. Mas seja lá que diagnóstico for, nós temos que acreditar que vamos superar. Acho que é isso que nos mantém sempre firmes, pensar que vamos chegar ao fim. Temos mesmo que acreditar. Para mim, é essencial uma alimentação adequada o mais livre possível de pesticidas, manter hábitos saudáveis, que são essenciais para a recuperação: repousar, caminhar um pouco, tentar fazer escolhas inteligentes e que nos fazem sentir bem e felizes. O essencial mesmo é acreditar que vamos vencer, procurar ajuda e não ficarmos só fechadas em nós. Para as mulheres em geral, é importante estarmos informadas e fazer os nossos exames com regularidade. É importante que saibam sobre este cancro. Porque eu não sabia.

PT-10236 aprovado a 8/2021