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Alexandra Correia Silva tem hoje 42 anos. Aos 26, descobriu que era portadora de uma mutação BRCA, informação que considera ter-lhe salvo a vida. Apesar de não ter impedido que lhe fosse diagnosticado um cancro da mama, deu-lhe ferramentas para agir de forma preventiva e proteger a sua saúde.

Entrevista: Alexandra Silva, portadora de mutação BRCA

Alexandra Correia Silva tem hoje 42 anos. Aos 26, descobriu que era portadora de mutação BRCA, informação que considera ter-lhe salvo a vida. Apesar de não ter impedido que lhe fosse diagnosticado um cancro da mama, deu-lhe ferramentas para agir de forma preventiva e proteger a sua saúde.

“Costumo dizer que o teste genético salvou-me a vida.”

O que é que a levou a fazer o teste genético para determinar a presença ou não de uma mutação BRCA?

A minha tia, a minha avó materna e a minha mãe tiveram cancro, a última das quais, a minha mãe, no ano de 2004. E posteriormente ao tratamento que ela fez foi-lhe sugerido que fizesse o teste genético. Uma vez que tinha havido uma série de situações na família, foi sugerido que se fizesse o estudo. Na altura não fomos muito bem informados, mas a minha mãe fez o estudo e confirmou-se que tinha uma mutação BRCA. Assim sendo, foi perguntado se as filhas estavam interessadas em continuar esse estudo genético, uma vez que poderia atuar na prevenção ativa do cancro da mama. E eu e a minha irmã dissemos de imediato que sim. Eu tinha, na altura, 26 anos e a minha irmã teria uns 21. Queríamos muito saber.

Foi uma decisão fácil, a de fazer o teste?

Não foi um processo nada demorado, a nossa decisão. Não foi uma decisão ponderada, foi muito fácil de tomar. Ao fazer o teste queríamos saber se temos a mesma mutação, o que nos iria permitir atuar preventivamente, até porque tínhamos vivido de muito perto aquelas doenças: a minha tia e a minha avó não tiveram histórias, infelizmente, de sucesso, porque morreram. Eu e a minha irmã fizemos o teste e confirmou-se que ambas temos mutação. Ou seja, não foi nada de muito complexo, foi algo para nós muito lógico e óbvio. Costumo dizer que o teste genético salvou-me a vida.

De que forma é que lhe salvou a vida?

Salvou mesmo porque eu confirmei que tinha a mutação genética em setembro de 2007 e, logo em outubro, fiz um conjunto de exames, um controlo um pouco mais apertado e foi-me pedido para fazer uma ressonância magnética. Em março, logo a seguir, é-me descoberto um tumor na mama, já num grau chato: eu já tinha cancro! Se eu tenho descoberto a mutação um bocadinho mais cedo, se calhar tinha prevenido isto e tinha atuado antes de ter cancro; se eu não tivesse sabido da mutação e tão cedo não tivesse feito este conjunto de exames, se calhar já não estava aqui a contar a minha história.

Tinha sintomas quando fez o teste genético, alguma coisa que indicasse a presença de cancro?

Não, o cancro nunca me emagreceu, foi super silencioso, porque não dói. Na apalpação nunca senti nada, foi mesmo um acaso, como são dezenas, centenas de cancros de mama. A maioria das pessoas apanha o cancro nos exames de rotina, mas fazem os exames de rotina a partir de uma certa idade. Não seria o meu caso.

Estes exames de que fala, não são exames que as mulheres fazem regularmente?

Não, sobretudo esta questão da ressonância magnética. Já por ser filha de uma mãe que tinha tido cancro, à altura, jovem (abaixo dos 45), eu fazia ecografias mamárias e mamografias, mas não fazia ressonâncias magnéticas, que é um exame que envolve alguma complexidade. E foi esse exame que identificou que algo estava mal e confirmou que tinha um tumor maligno, com 2,5 cm. Atendendo ao histórico genético, cuidei, em tratamento, de uma mama que já tinha um cancro diagnosticado e cuidei preventivamente da outra mama, fazendo então a mastectomia profilática. Aqui, quando o tecido foi analisado em anatomia patológica, descobriu-se que eu já tinha outro tumor na mama esquerda. O teste genético salvou-me duplamente a vida.

“Tinha apenas medo de não controlar o que poderia vir a acontecer. Havia uma grande probabilidade de ter alguma coisa e eu podia fazer algo para prevenir.”

Porque é que decidiu fazer a mastectomia profilática?

Não era nada que tivesse de ser feito, porque aparentemente a mama esquerda em exames não tinha nada. Mas atendendo ao estudo genético, atendendo a que já me tinha sido diagnosticado um cancro na mama direita e eu tinha 28 anos, atendendo a que a probabilidade de ainda vir a desenvolver alguma coisa na outra mama era alta, foi-me recomendado. Ainda que, na minha cabeça, não tive qualquer tipo de dúvidas.

O que pensou na altura, o que é que sentiu?

Tinha apenas medo de não controlar o que poderia vir a acontecer. Havia uma grande probabilidade de ter alguma coisa e eu podia fazer algo para prevenir. Claro que podemos fazer outras coisas, podemos trabalhar para a nossa saúde, física e mental, fazer exercício físico, ter cuidado com a alimentação e por aí fora. E uma das formas que eu tinha de prevenir era fazendo essa cirurgia. No meio do difícil, essa decisão tornou-se muito óbvia. Podia nunca vir a ter, mas para quê arriscar?

Estamos a falar entre a possibilidade de me salvar. Mais tarde fiz também a cirurgia do ovário, porque a mutação que tenho também confere uma maior probabilidade de ter cancro do ovário. Eu não tenho filhos e muitas pessoas perguntaram se não me arrependo. Posso-me arrepender, mas em princípio não, porque eu não acordei de um dia para o outro e tomei esta decisão. Foi uma coisa ponderada, uma coisa conversada, nomeadamente conversada com o meu marido, não foi uma decisão que tomei sozinha. A vida é feita de tomadas de decisão e de vivermos as consequências das decisões que tomamos. Mas nem todas as decisões têm consequências diretas na nossa sobrevivência e esta tem.

Quando é que fez a cirurgia para remoção dos ovários?

Esta cirurgia estava protocolada para ser feita aos 35 anos, apesar de eu, desde os 28, ter continuamente pedido à minha médica oncologista para a fazer. Ela foi-me sempre dizendo que os ovários têm uma função no nosso corpo que não é só a da reprodução. Tirar os ovários tem outras implicações no corpo, que têm que ver com a menopausa precoce. Acabei por fazer quando tinha 34, estava quase a fazer 35.

“Depois de saber o que tenho, eu posso tomar opções, decisões sobre como é que eu vou reagir perante isto; se não souber, viver na ignorância, ando ao sabor do vento.”

E, na sua opinião, as mulheres têm os apoios de que necessitam, nomeadamente para enfrentar esta menopausa precoce?

Eu sou muito proativa, faço muitas perguntas, procuro muita informação e sinto-me naturalmente acompanhada. Tenho uma relação de extrema cumplicidade e colaboração com a minha médica oncologista. Mas esta é a minha experiência pessoal. Daquilo que me é dado parecer, continuo a achar que há muita falta de informação, continuamos a ter muitas dificuldades, porque há pouca gente a trabalhar neste assunto, continua a ser uma coisa pouco divulgada, as pessoas não sabem, por exemplo, que existe a possibilidade de preservação da fertilidade. Já muito se fez, mas continua a ser necessário fazer ainda muito mais.

O que significa hoje, para si, viver com a mutação BRCA?

Tranquilidade! Informação é poder. Tomara eu saber todas as outras mutações que tenho, para viver com tranquilidade. No caso da minha irmã, há um antes e depois de ela saber da mutação e para mim também, mas o meu antes e depois acabam por ser um antes e depois do cancro. No caso da minha irmã, há rotinas médicas que ela tem de fazer, que são para controlar, naturalmente, se continua tudo bem e para controlar se as próteses estão no sítio. Mas isso significa claramente tranquilidade.

Qual o seu conselho para as mulheres com receio de fazer o teste genético?

Tenho o maior respeito pelas pessoas que têm receio e tenho exemplos de recusa na minha família. A minha mãe era uma de oito filhos e apesar de uma das irmãs ter morrido com cancro da mama, os irmãos homens nunca quiseram fazer o teste. As pessoas ainda não perceberam que esta mutação é exatamente igual para homens e para mulheres, isto ainda não chegou à cabeça das pessoas. E há mulheres mutadas que ficam muito preocupadas quando têm filhas, mas não se preocupam quando têm filhos, apesar de ser mesma coisa. Alguém tem de lhes dizer que o risco de passar a mutação a descendência é de 50%, seja rapaz ou rapariga. No caso da minha família, os irmãos da minha mãe não quiseram fazer e a outra irmã também não. Já a minha prima, filha dessa minha tia, disse que queria e fez. A minha prima é negativa, mas a minha tia continuará a vida dela sem saber. É uma opção. Mas o que eu digo é: se puder ter acesso a um conjunto de exames médicos muito mais finos, capazes de apanhar qualquer coisa muito mais cedo, aquilo que as pessoas me expressam em ansiedade, eu expresso em tranquilidade. Depois de saber o que tenho, eu posso tomar opções, decisões sobre como é que eu vou reagir perante isto.; se não souber, viver na ignorância, ando ao sabor do vento.

Mas é uma decisão que muda vidas?

Decidir fazer o teste pode ser transformador da maneira de olhar a vida, sim. Pode ser transformador mas não necessariamente para pior, porque te ajuda a tomar algumas opções com racionalidade. Se souber que aquela mutação a pessoa tem e que pode prevenir… Parece-me claro, e tão natural, se temos essa opção… Por vezes falta é tempo para esclarecer as pessoas, para as deixar fazer perguntas, para as informar.