O cancro não é, por norma, uma doença hereditária. Pode surgir numa família, sem que nada o faça esperar e sem também existir uma explicação genética que o justifique. No entanto, sabe-se hoje que há mutações genéticas responsáveis por cerca de 5 a 10% (5 a 10 em cada 100) dos casos de cancro da mama. (1) Sabe-se também que estas mutações aumentam o risco de outros tipos de cancro, como o do ovário ou da próstata e que essas mutações existem em dois genes, conhecidos como genes BRCA1 (BReast CAncer 1) e BRCA2 (BReast CAncer 2). (2) Mas nem sempre foi assim.
Nos anos 70 do século XX, a teoria dominante era a de que o cancro tinha origem viral, ou seja, que era causado por vírus. Mary-Claire King, ainda uma ilustre desconhecida, tinha concluído um curso de genética e, em 1974, aceitava um trabalho na Universidade da Califórnia, em São Francisco, nos EUA, para estudar cancro da mama. (3) Era o primeiro passo para um trabalho que, embora ninguém na altura suspeitasse, iria mudar a forma como se olha para este tumor. Isto porque Mary-Claire King iria acabar por ser a primeira a mostrar que o cancro da mama é hereditário em algumas famílias, resultando de mutações no gene a que ela chamou de BRCA1. (4)
“Achei que a herança devia estar envolvida em pelo menos algumas famílias”, disse, numa entrevista ao jornal New York Times. Na altura, o Instituto Nacional de Cancro dos EUA estava a fazer um estudo sobre anticoncecionais orais, com base num inquérito a 1.500 mulheres com cancro da mama, ao qual a investigadora conseguiu adicionar perguntas sobre a história familiar da doença, ou seja, se estas mulheres tinham parentes próximos com cancro da mama ou do ovário.(3)
As respostas permitiram concluir que o cancro da mama parecia ser muito mais comum em algumas famílias do que noutras e, tal como referiu a investigadora na mesma entrevista, “de todas as explicações possíveis, a estatisticamente mais provável era a existência de um gene com mutações responsáveis pelo cancro da mama em cerca de 4% das pacientes”. Gene esse que não passava, na altura, apenas de uma hipótese, mas que o grupo em que King trabalhava acabou por comprovar, em 1990, depois de muitos anos de trabalho, quando o gene foi finalmente descoberto no cromossoma 17.(3)
Hoje, estão bem definidos os critérios para a realização de um estudo genético que permite pesquisar a mutação familiar, de modo a investigar se os elementos da mesma família herdaram, ou não, a predisposição oncológica.(2)
Referências:
(1) The Royal Marsden NHS Foundation Trust. A beginner’s guide to BRCA1 and BRCA2. [Guia para Iniciante sobre BRCA1 e BRCA2] https://www.royalmarsden.nhs.uk/sites/default/files/files_trust/beginners-guide-to-brca1-and-brca2.PDF – Último acesso: maio de 2021
(2) Guia as mutações BRCA e o cancro, News Engage, 2019 – Capítulo “A predisposição genética” – Da autoria Dra Juliette Dupont
(3) New York Times, https://www.nytimes.com/2015/02/10/science/mary-claire-kings-pioneering-gene-work-from-breast-cancer-to-human-rights.html
(4) A conversation with Mary-Claire King. The Journal of Clinical Investigation. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6307974/ Último acesso: maio de 2021
PT-9816 aprovado a 6/2021